Você só vai para a cama acompanhada - leva seu
notebook, tablet ou smartphone porque não quer se desconectar do mundo. Não
raro, vai direto do trabalho para a última sessão de cinema ou cai na balada.
Dormir? Só depois das 2 da madrugada. O problema é que o despertador vai tocar
às 6! Essa privação voluntária do sono está sendo chamada informalmente de
sonorexia. O termo, que só deverá ser oficializado após estudos mais
aprofundados, faz uma analogia com a palavra anorexia, que define o conhecido
distúrbio alimentar. Enquanto o insone se esforça para conseguir conciliar o
sono, o sonoréxico, mesmo querendo desabar na cama, tenta manter-se acordado o
máximo de tempo possível.
Quem abrevia o tempo de descanso noturno,
conscientemente ou não, impede que áreas-chave do cérebro realizem funções
essenciais à saúde mental, que só ocorrem enquanto dormimos. Entre as mais
importantes, estão o controle das emoções diante de experiências negativas, a
aprendizagem e a memória.
"Longe de ser desperdício de tempo, dormir é
essencial para recuperar parte da energia gasta durante o dia e se manter
saudável", diz Silvio de Araújo Fernandes, fisioterapeuta com
especialização em ritmos biológicos do Cemsa - Centro de Estudo
Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes, em São Paulo. Noites seguidas de
sono insuficiente provocam uma série de alterações no organismo e,
consequentemente, efeitos nada desejados. Confira.
Quilos a mais.
As razões do ganho de peso são hormonais. Enquanto
você dorme, sua produção de leptina, hormônio da saciedade, aumenta, enquanto a
de grelina, responsável pela fome, diminui. Poucas horas sob os lençóis inverte
essa gangorra. Resultado: menos leptina e mais grelina. Essa desregulagem não
necessariamente vai aumentar o apetite. Certo mesmo é que ocorrerá uma queda no
ritmo do metabolismo, com menor queima calórica e maior armazenamento de
gordura. Quem dorme pouco também produz mais cortisol, o hormônio do stress,
responsável pela resistência à insulina - outro fator que leva ao ganho de peso
e ao diabetes tipo 2. Dormir bem, ao contrário, faz aumentar a produção de
serotonina, neurotransmissor que provoca sensações agradáveis, além de
contribuir para diminuir a vontade de comer doces. É que essa substância, ao
estabilizar o humor, reduz aquela necessidade emocional de acabar com a caixa
de bombons que nos assalta quando estamos nervosas ou apenas tristes. Enquanto
dormimos, o cérebro também ordena a produção do hormônio do crescimento, o GH,
que acelera o metabolismo, ajuda a evitar o acúmulo de gordura, freia a ação do
tempo sobre as nossas células e age a favor da massa magra.
Somar anos ao semblante.
"Para além das olheiras e do aspecto cansado,
a adrenalina, outro hormônio do stress, induz à compressão dos vasos sanguíneos
periféricos que irrigam a epiderme, diminuindo a circulação do sangue no rosto
e deixando a pele sem viço", fala Dalva Poyares, neurologista do Instituto
do Sono, em São Paulo, e professora da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp). Durante o repouso, o organismo combate com mais facilidade dos
radicais livres, que podem causar envelhecimento precoce e até mesmo tumores. É
que a escuridão leva à produção da melatonina, o hormônio que, além de induzir
o sono, é um poderoso antioxidante.
Aumentar o risco de doenças.
Sem o descanso noturno, o corpo libera menor
quantidade de interleucinas, substâncias que agem contra vírus e bactérias.
Também pode desencadear depressão e, segundo o Instituto Nacional do Câncer dos
Estados Unidos, alguns tipos de tumor.
Diminuir a libido.
O stress prolongado por déficit de sono interfere
até mesmo na disposição para o sexo. Se o sono não é reparador, o corpo sofre
uma descarga considerável de cortisol e adrenalina, hormônios diretamente
ligados à sensação de cansaço. E aí, com o corpo em frangalhos, cadê vontade
para momentos calientes a dois? Segundo um estudo da Fundação Nacional do Sono,
nos Estados Unidos, dormir pouco pode, ainda, diminuir a intensidade do
orgasmo. Especialistas em sono, aliás, são unânimes: a cama é lugar para dormir
e para transar. O sexo é um tranquilizante natural. Ao atingir o clímax, saem
de cena os hormônios do stress para dar lugar às relaxantes endorfinas, que
fazem o cérebro e o organismo funcionarem melhor, interferindo diretamente na
qualidade do sono. De quebra, essas substâncias têm ação analgésica e aumentam
a tolerância às dores de um modo geral, incluindo as musculares pós-exercício.
Antes que seja
tarde
Prolongar as noites
maldormidas desencadeia outro distúrbio: insônia. Isso porque seu organismo
pode estranhar quando você resolver retomar o padrão normal de sono, com hora
certa para dormir e acordar. Ela pode ser transitória (ou aguda) - um
transtorno que, como o próprio nome sugere, é pontual. "Dura menos de
quatro semanas, surge como resposta a fatores estressantes em pessoas que
costumam dormir bem, e leva, principalmente, à dificuldade para iniciar o
sono", explica Larriany Giglio, psiquiatra especialista em medicina do
sono. Mesmo assim cuide-se! Existe o risco da insônia transitória se tornar
crônica - um quadro mais grave e persistente. "É importante não banalizar
a insônia e tentar corrigir os maus hábitos que podem estar por trás dela",
recomenda a neurologista Rosa Hasan, responsável pelo Laboratório do Sono do
Hospital São Luiz, em São Paulo.
Mulheres em claro
As mulheres, provavelmente por razões hormonais,
são as mais afetadas pela insônia crônica. Sofre desse mal quem não dorme bem
três vezes por semana por mais de três meses, segundo Rosa Hasan. "As
madrugadas em claro podem ser sintomas de alguma doença psíquica, de ansiedade
a depressão, ou física como problemas renais que obrigam a várias idas ao
banheiro."
Entre os insones crônicos, encaixam-se tanto os que
têm dificuldade de pregar os olhos como os que sofrem de despertar precoce. O
distúrbio de manutenção do sono, no entanto, é o quadro mais frequente, segundo
Dalva Poyares. E as causas do sono interrompido, nem sempre fáceis de flagrar,
vão da apneia (interrupções breves e repetidas da respiração) ao bruxismo
(ranger dos dentes durante o sono). Muita gente que reclama de sonolência
diurna sofre transtornos como esses e nem desconfia. Até pensa que dorme bem,
mas, na verdade, tem centenas de microdespertares durante a noite, que impedem
um sono profundo. Resultado: você passa o dia sonhando em dar um cochilo. Mas
não compensa. "Cochilos diurnos podem diminuir ainda mais a duração do
repouso noturno", avisa a expert Larriany Giglio.
Dose a pílula
É comum as pessoas que sofrem de insônia crônica
recorrer aos ansiolíticos (que também atendem pelo nome de calmantes),
consumindo-os como se fossem balinhas, mas não são. "O medicamento nessa
linha mais vendido no Brasil é o clonazepam, princípio ativo do
Rivrotril", diz a neurologista Dalva Poyares. Embora devesse ser prescrito
preferencialmente por psiquiatras a pacientes em crise de ansiedade, é
recomendado até mesmo por ginecologistas. Como tem efeito hipnótico leve, acaba
sendo também um indutor do sono. É um caso clássico de medicamento de uso off
label, isto é, para fins que não estão previstos na bula. Porém, o uso contínuo
(dois ou três meses) pode criar dependência química ou acarretar o chamado
efeito rebote, com o agravamento da insônia.
Pertencentes a uma outra categoria de remédios para
a insônia, os indutores de sono também exigem cuidado. Portanto, evite criar o
hábito de surrupiar comprimidos prescritos para alguém da família. Só um
especialista pode recomendar uma dessas drogas. "Em geral, elas são
indicadas para quem não concilia o sono ou tem o chamado sono não reparador,
aquele que não gera descanso e não promove sensação de bem-estar no dia
seguinte", explica a fisiatra Sylvana Braga, especialista em prática
ortomolecular, de São Paulo.
Sono natural
"Apesar de mais suaves, os fitoterápicos
também podem ser eficientes para a insônia transitória", complementa
Sylvana. Um dos mais estudados é a valeriana (Valeriana officinallis).
Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma alternativa para
os medicamentos antiansiedade, a planta tem efeito tranquilizante, sedativo e
relaxante muscular. O medicamento pode ser encontrado já manipulado nas
farmácias, mas evite tomar sem antes consultar seu médico.
Outra opção aos remédios é a terapia comportamental
cognitiva (TCC), conduzida, em geral, por psicólogo ou médico com
especialização em distúrbios do sono. Em apenas oito ou dez sessões, feitas em
grupos de dez pessoas, você aprende técnicas de alteração de comportamento que
podem ajudá-la a dormir bem e, com isso, evitar todos os prejuízos acarretados
pelas seguidas noites em claro.
Respeite o seu ritmo
Normalmente,
necessitamos dormir cerca de oito horas, mas não há estudo científico que
confirme esse conceito. O que está provado é que repousar menos de seis horas
por noite pode prejudicar a saúde porque o organismo inteiro fica debilitado.
Mas isso não vale para todos, pois cada pessoa apresenta um biorritmo
diferente. "Esse processo é regido pelo ciclo circadiano, nosso relógio
biológico que é ajustado num ciclo de 24 horas", explica a neurologista
Dalva Poyares. "Algumas se sentem novas em folha só com seis horas de
sono, enquanto outras dificilmente acordam numa boa antes de nove ou mais
horas." A regra é: você desperta bem-disposta depois de dormir seis horas?
Ótimo. É sinal de que o repouso noturno ocorreu.
Aprenda a dormir melhor
Deixe o quarto totalmente escuro (sem luz
indireta da tevê ou do computador) para estimular a secreção da melatonina, o
hormônio do sono. A temperatura ambiente também deve estar agradável e as
roupas adequadas para que você não sinta frio ou calor.
Crie uma rotina de relaxamento antes de ir para a
cama. O que funciona: banho quente, meditação, música suave, leitura e
pensamentos agradáveis (mentalize um cenário paradisíaco, um encontro romântico
e o que mais lhe der prazer para liberar a relaxante serotonina).
Jante três horas antes de ir para a cama, evitando comidas
calóricas. Assim, a digestão fica mais fácil.
Fumo, café e álcool são estimulantes do sistema
nervoso central. Abstenha-se pelo menos três horas antes de ir para a
cama.
Beba água para não ter sede no meio da
noite, mas em pequena quantidade. Do contrário, terá de interromper o sono para
ir ao banheiro.
Não faça atividade física no final da
tarde. Para chamar o sono, o corpo precisa esfriar.
Faça sexo. Esse é o único exercício liberado
imediatamente antes da hora de dormir. O orgasmo também produz endorfinas e
induz o sono.
Não use medicamentos contra insônia sem indicação
médica. Eles podem ter efeito bumerangue e piorar a qualidade do sono. No dia
seguinte, você terá a sensação de uma leve embriaguez, correndo o risco de
acidentes.
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